No plenário da Alema (Assembleia Legislativa do Maranhão), o advogado Dalton Hugolino Arruda de Sousa ergueu a mão direita e jurou respeitar a Constituição. A mesma mão que, segundo a Justiça, desferiu agressões contra sua ex-esposa. Condenado em primeira instância por lesão corporal e ameaça, Arruda assumiu a cadeira de deputado estadual no último 27 de fevereiro, favorecido por uma conveniente dança de cadeiras no PSD.
Após uma semana no mandato, uma nova e ainda mais grave incoerência institucional no combate à violência contra a mulher no estado: Arruda foi homenageado pela Polícia Militar maranhense — a mesma corporação que o prendeu em flagrante quando descumpriu medidas protetivas e, segundo a Justiça, agrediu a ex-esposa.
Nessa segunda-feira (17), organizações de defesa dos direitos das mulheres no Maranhão se mobilizaram e, em reunião com a presidente da Alema, deputada Iracema Vale (PSB), apresentaram um documento com três reivindicações específicas: a cassação do mandato de Dalton Arruda, a retirada da honraria concedida pela PM e a abertura de um canal de diálogo permanente do Parlamento estadual com as entidades.
Primeira mulher a comandar a Casa legislativa estadual em 190 anos de história, a deputada reconheceu publicamente a gravidade do caso em publicação nas redes sociais: “Este encontro reforça a urgência de avançarmos na proteção, acolhimento e garantia de diretos”, escreveu, indicando que tomará medidas.
Entre as organizações mobilizadas estavam o PSOL e Resistência Feminista, o Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional do Maranhão, o Fórum Maranhense de Mulheres, o Movimento Olga Benário e a Marcha Mundial das Mulheres, entre outros coletivos.

Não foi a primeira vez em que a Alema foi lembrada, no que cabe ao Parlamento, da missão de proteger mulheres vítimas de violência e fomentar políticas para seu combate.
Em 12 de março, durante evento da própria Casa em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, a fisioterapeuta Rosana Motta confrontou a situação publicamente: “Vim trazer uma palavra de indignação. Ontem, a Polícia Militar do Maranhão homenageou um deputado agressor de mulher, descumpridor de medida protetiva e que está aqui nessa Casa ferindo uma Lei que diz que homens condenados pela Lei Maria da Penha não podem exercer cargo público. E esse homem é hoje deputado e foi homenageado ontem pela Polícia Militar do Estado do Maranhão. Isso é ultrajante, isso é vergonhoso. Fora este homem desta Casa, porque aqui não é o lugar dele”, disparou.
Presente no evento, a procuradora da Mulher na Assembleia Legislativa, deputada Dr. Vivianne (PDT), ao responder, alegou que “a posse teve um dia antes do Carnaval… a gente nem estava no plenário no dia” e que já teria solicitado providências ao comando da Casa. “Essa semana ele [Dalton Arruda] não estava presente na Casa, em nenhuma sessão. Eu acredito que providências já estão tomadas porque até eu não o vi na Casa esta semana”, declarou.
Para chegar ao Legislativo maranhense, Dalton Arruda, que ficou na quarta suplência pelo PSD nas eleições de 2022, contou com a renúncia dos três suplentes que o antecediam. A sequência de desistências permitiu que ele ocue a vaga deixada pelo deputado Eric Costa, que abriu temporariamente do mandato por 121 dias, segundo alegou oficialmente, 3 dias para tratamento de saúde e 118 para tratar de assuntos de foro íntimo.
Na data da posse, quem estava no comando da Alema e auxiliou Arruda no juramento à Constituição era outro homem: o deputado Antônio Pereira (PSB), vice-presidente e decano da Casa.
A sentença assinada pelo juiz da 1ª Vara Especial de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de São Luís, Reginaldo de Jesus Cordeiro Júnior, em 30 de outubro do ano ado, detalha a condenação por violência doméstica do agora deputado estadual. Conforme relatório médico apresentado na ação penal 0801141-96.2022.8.10.0001, Janayna do Socorro Muniz, ex-esposa do parlamentar, sofreu “hematoma em porção medial de coxa esquerda e direita”, resultado de chutes desferidos pelo condenado durante uma discussão.
As provas de agressões também incluem mensagens via WhatsApp, nas quais Arruda escreveu à vítima frases como “essa tua coragem eu acabo com uma faca amolada” e “sorte que minha arma a polícia pegou”. A pena total estabelecida foi de 1 ano, 11 meses e 27 dias de prisão, em regime inicial aberto, com suspensão condicional por dois anos e pagamento de R$ 2,5 mil por danos morais.
No depoimento, a vítima descreveu um histórico de violência de Dalton Arruda: “As agressões começaram desde a minha primeira gravidez, sendo que ele me agredia na frente de todos da casa, principalmente dos filhos”. Uma testemunha que trabalhou como babá para o então casal confirmou que “por várias vezes a vítima gritava por socorro” e que chegou a “entrar no quarto para segurar o acusado fazendo cessar as agressões.”
Outras mensagens enviadas pelo agora deputado também mostram a violência sofrida pela vítima: “[…] como tu faz esse negócio comigo […] sair com homem e deixar meus filhos com a empregada […] o que tem haver medida protetiva […] rapariga […] porra vagabunda tava com quem? […] Te dei uma chance de falar a verdade […] Eu vou te matar, eu vou te matar, eu vou te matar! […] desgraçada”, ameaçou Arruda.
A defesa do deputado recorreu, e o processo está em análise no Tribunal de Justiça do Maranhão.


Os três suplentes do PSD à frente de Arruda que declinaram da vaga de deputado estadual foram: César Pires, Pedro Neres e Ricardo Seidel.
Procurado pelo Atual7, César Pires limitou-se a dizer que renunciou por “questões de foro íntimo”, sem maiores detalhes. Ricardo Seidel, eleito vereador em 2024 por Imperatriz, justificou sua decisão pelo fato de já ocupar desde janeiro deste ano o cargo de secretário de Segurança Pública Integrada no munícipio. Pedro Neres não respondeu à solicitação de posicionamento.
Eric Costa, cuja vaga Arruda assumiu, também não retornou a ligação nem respondeu à mensagem da reportagem. Procurado, o próprio Arruda também não se manifestou sobre o caso.
A homenagem da PM maranhense a Dalton Arruda foi entregue em 10 de março, dois dias após a data em que se celebra o Dia Internacional da Mulher. A condecoração foi concedida pelo Rotam (Batalhão de Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas). A justificativa criada: “reconhecimento [do deputado] ao apoio contínuo à modernização e capacitação da corporação”.
A Secretaria de Segurança Pública e o Comando da Polícia Militar foram questionados pelo Atual7 sobre os critérios para a concessão da honraria e a aparente contradição, mas não retornaram às solicitações.
A condenação de Dalton Arruda levanta questionamentos sobre a compatibilidade legal com o exercício do mandato parlamentar. Isso porque, mesmo sem haver impedimento legal automático para a posse no cargo, em tese, a conduta do deputado poderia potencialmente ser enquadrada em infrações ao Código de Ética.
De acordo esse regulamento, somente serão itidas representações que digam respeito a fatos ocorridos durante o exercício do mandato do deputado. Contudo, ainda segundo o Código de Ética, “praticar irregularidades graves no desempenho do mandato ou de encargos dele decorrentes” constituem violação ao decoro parlamentar.
Caso a Assembleia considere que tal situação afeta a dignidade da instituição, poderia haver uma avaliação política pela Comissão de Ética sobre o fato criminoso, ainda que não tenha ocorrido durante o mandato.
Essa interpretação mais ampla foi firmada recentemente na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), indicando que condutas anteriores ao mandato podem justificar a cassação. Em agosto de 2024, o Conselho de Ética da Câmara aprovou a perda do mandato do deputado Chiquinho Brazão (União Brasil) por crime cometido antes de sua eleição, no caso do assassinato da vereadora Marielle Franco.
A decisão sugere que certas condutas são tão graves que comprometem a idoneidade necessária para o exercício da função parlamentar, independentemente de quando ocorreram.
Assim, seguindo o precedente da Câmara dos Deputados, seria possível argumentar que a Comissão de Ética da Alema poderia aceitar uma representação contra Dalton Arruda, mesmo que o crime de violência doméstica tenha ocorrido antes de sua eleição. Além disso, a condenação recente, decretada quando ele já estava diplomado como suplente, poderia ser vista como um fato que compromete o decoro parlamentar necessário para o exercício do mandato.
CRONOLOGIA DO CASO
- Novembro de 2021: Dalton Arruda é preso em flagrante pela Polícia Militar maranhense após descumprir medidas protetivas e derrubar com um veículo o portão da casa onde a ex-esposa vive com os filhos. Na invasão, ele também agrediu Janayna Muniz.
- Novembro de 2021: O advogado previdenciário é solto por decisão do desembargador do TJ-MA, José Jorge Figueiredo dos Anjos
- Julho de 2022: Dalton Arruda candidata-se a deputado estadual pelo PSD, conquistando 24.153 votos e ficando como quarto suplente
- 30 de outubro de 2024: Juiz Reginaldo Cordeiro condena Arruda por lesão corporal e ameaça contra sua ex-esposa
- Fevereiro de 2025: Os três primeiros suplentes (César Pires, Pedro Neres e Ricardo Seidel) renunciam a assumir o mandato
- 27 de fevereiro de 2025: Dalton Arruda toma posse como deputado estadual
- 10 de março de 2025: Arruda recebe honraria da Polícia Militar do Maranhão
- 12 de março de 2025: Durante evento do Dia Internacional da Mulher, o caso é denunciado publicamente
- 14 de março de 2025: Organizações de mulheres se reúnem com a presidente da Assembleia, Iracema Vale, e exigem providências para imediata cassação de mandato parlamentar e honraria concedida pela PM a Dalton Arruda.
PRINCIPAIS PONTOS DA SENTENÇA
- Pena: 1 ano, 11 meses e 27 dias de prisão (regime aberto)
- Indenização: R$ 2.500 à vítima por danos morais
- Suspensão condicional: 2 anos
- Provas: relatório médico, mensagens de ameaça, depoimentos
TRECHOS DA DECISÃO JUDICIAL
“A vítima foi taxativa ao relatar que o réu desferiu vários chutes em suas pernas durante a discussão envolvendo a disputa pela bolsa daquela, onde estavam as chaves dos carros e os cartões.”
“O depoimento da vítima acerca das agressões sofridas é compatível com o relatório médico e as fotos anexas, que confirmaram as lesões sofridas na coxa esquerda e direita.”
“No que se refere à ameaça, verifica-se que a promessa de um mal anunciado pelo denunciado se mostrou séria e idônea, não havendo como afastar a responsabilidade criminal.”
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